sexta-feira

Uma descrição

Usava uma pequena barba em forma de seta, tipo pêra, que se unia a um bigode bem cuidado, farfalhudo. O cabelo também mostrava a sua obsessão pelo rigor, muito bem penteado para o lado, distribuído uniformemente de cada lado da risca perfeita. No nariz notavam-se aquelas pequeninas marcas que os óculos deixam quando usados durante longas horas, sempre apoiados no mesmo sitio. Pareciam parte integrante daquele rosto.
Os olhos por detrás daquelas lentes retinham um longinquo brilho, talvez da infância, talvez da adolescência, mas tão fugaz que por vezes parecia apagar-se definitivamente. Então aquele castanho sério transformava-se num quase preto soturno, inescapável, que magoava quem o olhasse.
As imensas sobrancelhas uniam-se sobre o nariz formando a chamada “unicelha”, que acentuava a austeridade daquele olhar. Quando vincadas, essas sobrancelhas pareciam crispar-se deitando faíscas. Conjugadas com a escuridão profunda do olhar apagado, eram suficientes para fazer murchar o sorriso sincero de uma criança.
Por entre as bochecas vazias e enrugadas pelo tempo, apareciam discretos uns labios finos, aparentemente incapazes de um sorriso, ou então já esquecidos de como sorrir. Quase escondidos por entre o bigode e a pêra, apenas se mostravam quando a lingua os molhava na esperança de não murcharem e desaparecerem por completo.

Quem o conhece sabe que sorri, afável e sinceramente. Quem não o conhece é incapaz de o olhar nos olhos sem se encolher, ou sentir um calafrio...

(trabalho de didática da escrita criativa)

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